quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sapato Arejado



Percebi que suava muito nos pés quando, no inverno, mesmo usando meias de lã, meus pés ficavam gelados. Não bastasse isso, eu sempre estava com micoses, frieiras, enfim, problemas dermatológicos decorrentes da umidade e do calor, somados a uma compleição física não apropriada para sapatos fechados, tudo numa região quente e úmida, num período do ano, e fria e úmida noutro perído. Como, na época, minha vida era só acadêmica (aluno de Mestrado e Professor como profissão), pude voltar aos anos 70 e me trajar de forma meio hiponga (transcorria o primeiro quinquenio da década de 80). Sandálias franciscanas com meia, sapatos com frente normal e nada no calcanhar (diria que era um tamanquinho holandês), um sapato de couro em trancelim comprado em Brusque, permitiam que eu andasse com as meios secas (já, então, tinha adotado as meias de puro algodão, mais absorventes) e, pois, desfrutasse de mais conforto nos pés.


Mas a vida de um operador do Direito (eu voltaria a sê-lo com o final do Mestrado) não é compatível com trajes hipongas. Foi quando me indicaram o Seu Isac, em Itajaí (eu já morava em Florianópolis, na ocasião).


Desenvolvi um modelo de sapatos e os encomendei ao Seu Isac. Seu Isac sugeriu cumprimento tamanho 38 e altura 39. Ficou ótimo e confortabilíssimo: sola de couro (pois a borracha também era propícia à sudorese e, portanto, micoses); cabedal de couro, com furos em toda a sua extensão (os furos atravessam o couro, para permitir máxima ventilação) e palmilha de couro. O modelo ficou próximo do "Oxford" (para saber a nomenclatura dos sapatos, clique aqui), conforme se percebe na foto de um dos sapatos que aparece no começo desta postagem.


Encomendei vários exemplares, durante uns 10 anos. Até que um dia Seu Isac disse que não fabricaria mais os sapatos.


Como o produto é de boa qualidade, dura até hoje: já receberam meia-sola, pintura, graxa, enfim a devida manutenção. Mas um dia serão consumidos pelo uso. Por isso, ao longo dos últimos 10 anos tenho procurado nas lojas modelos de sapatos que se aproximem dos que tenho. Nada: é como se vivêssemos num país gelado, onde os sapatos masculinos devem ser fechados e sem ventilação. Mais: com solas de borracha, que nada transpiram.

Haveria mercado para este tipo de sapato que uso? Ou a indústria calçadista brasileira é insensível para o mercado? Ou é mais um daqueles produtos que nunca se encontra no mercado brasileiro, porque produtores e vendedores não prestam atenção às necessidades do consumidor?


terça-feira, 29 de setembro de 2009

Enchente e Retórica


Estamos de novo vendo a chuva cair e os rios se encherem em Santa Catarina. Agora, enfrenta-se risco de desabamentos de morros. Apesar de haver proibição no Código Florestal já desde 1965, as pessoas cortam morros ou constroem em encostas. Depois das enchentes de 1983 e 1984, muita gente foi morar em morros (refiro-me aos que podem podem optar onde morar e não aos que vão morar onde o dinheiro permite).Com as chuvas de 2008, muitos morros desabaram e ricos e pobres perderam as casas.

A primeira enchente de grandes proporções que vivi foi a de 1983. Eu morava em Itajaí. Já, na época, se creditou a catástrofe ao desmatamento. Acreditei nisso até ir um dia ao museu. Fui até a coleção de jornais antigos e li "O Pharol" de 1911 ou de 1912. O jornal descrevia uma enchente que acabara de atingir a cidade. Listou as regiões alagadas de Itajaí, que coincidiam com as de 1983. E em 1912 tinha muito mais mato em Itajaí do que em 1983.

Houve, portanto, por parte daqueles que atribuíram ao desmatamento as causas da enchente de 1983, precipitação e irresponsabilidade. Ainda que a causa ambiental seja boa, não podemos usar as agressões à natureza como causa daqueles fenômenos cíclicos. Dar falsas causas em apoio a uma convicção, abala a credibilidade de quem propala estas falsas causas e desgasta a causa defendida. Tal tipo de comportamento dificulta, também, que se combata os reais motivos que precipitam ou amplificam os desastres naturais. Assim, o amor à verdade e à prova científica sempre são fiéis ajudandes de uma boa causa.

A foto acima é de uma enchurrada de verão, ocorrida entre 1980 e 1982, em Itajaí. Foi tirada pelo fotógrafo do jornal "Diarinho", na época em que eu fazia uma coluna para o jornal, e me dada de presente.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Inquérito Policial 2

A definição de Inquérito Policial está num Decreto já sem vigor. É o Decreto nº 4.824, de 22.11.1871: O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices; e deve ser reduzido a instrumento escrito, observando-se nele o seguinte (...).
Prefiro definições legais do que doutrinárias ou teóricas: a definição que está num texto legal é uma definição oficial, do Estado. Mesmo que a norma não esteja mais em vigor, ainda é de fonte oficial.
O Inquérito Policial é um procedimento administrativo (ainda que a Constituição não distinga processo de procedimento - art. 5º, LV), em que são agrupadas as provas que servirão de base para denúncia do Ministério Público.
Hoje, o Inquérito Policial está regulado no CPP - Código de Processo Penal (artigos 4º a 23).
O Inquérito começa por portaria do Delegado de Polícia. Esta portaria pode decorrer do simples conhecimento que o Delegado tiver de crime ou contravenção, de requisição do Ministério Público, ou de requerimento que Juízes, demais autoridades e pessoas fizerem ao Delegado.
Iniciado o Inquérito, a Polícia tem 30 dias para terminá-lo, se o indiciado estiver solto, ou 10, se estiver preso (art. 10 do CPP). Se precisar de mais prazo, o Delegado requer ao Ministério Público (segundo a sistemática da Constituição atual, finalmente aceita pelo CJF recentemente), mas, em alguns lugares, o Delegado ainda requer ao Juiz (lugares que estão, desde 5.10.1988, para se adaptar à nova sistemática constitucional).
A obtenção de provas se dá mediante a audiência de testemunhas, a realização de exames periciais, reconstituição de fatos, escuta telefônica etc. As provas devem ser lícitas, ou seja, sem violações de direitos e garantias legais e, quando for o caso (escuta telefônica, por exemplo), com autorização judicial.
Para obter tais provas, a Polícia pode intimar pessoas, solicitar documentos e fazer outras investigações, desde que não estejam no âmbito daqueles direitos que a lei considera invioláveis (entrada nas casas - se não estiver sendo cometido o crime, abertura de computadores etc - isto só pode ser feito com autorização judicial).
O fato da polícia indiciar alguém não tem grande repercussão no processo, pois o Ministério Público (Promotor de Justiça ou Procurador da República) podem pedir ao Juiz o arquivamento do inquérito quanto ao indiciado.
Geralmente, em se tratando de indiciado solto, os inquéritos em que atuo têm levado, pelo menos, seis meses de duração. Talvez se houvesse uma Delegacia de Polícia Federal em Blumenau, este tempo ficasse menor.
Terminado o Inquérito, a polícia o remete ao Ministério Público, que o analisará. Da análise, pode resultar pedido de arquivamento (se o Ministério Público não achar que houve crime ou que não foram encontradas provas para denunciar alguém), pode resultar denúncia (quando o Ministério Público achar que há provas suficientes para tanto), ou pode resultar requisição de novas provas (quando o Ministério Público achar que ainda faltam provas para denunciar e que elas podem ser obtidas; neste caso, requisitará à Polícia novas diligências).

domingo, 27 de setembro de 2009

Princípio da Insignificância

Deu-se o nome de Princípio da Insignificância a uma argumentação segundo a qual só há crime se o valor do dano for superior a determinada quantia em dinheiro. Tudo começou, no Direito Contemporâneo Brasileiro, por causa da dispensa de cobrança de dívidas com o fisco a partir de determinado valor (no final forneço link para pedido de arquivamento que fiz num processo, no qual dou mais detalhes sobre o assunto). Mas, como o princípio foi arbitrado sem qualquer lógica (pois de "princípio" só tem o nome) e sem exisitir base na lei, à medida que a quase anistia fiscal foi aumentando, foi crescendo o limite da impunidade. Hoje se chegou nos 10 mil reais, de modo que, como resultado da falta de objetividade e da base legal, o tal princípio vai se revelando auto-comburente. Assim, valem os 10 mil conforme a situação da vítima e do delinquente.

Segundo o STF, se for furtada uma bicicleta, avaliada em R$ 70,00 e uma garrafa de uísque, avaliada em R$ 21,80, não se aplica o princípio da insignificância. Também não se aplica se for o caso de porte de uma nota falsa de 50 reais. Mas se o furto é de um aparelho celular, se aplica. Se for um soldado do Exército que furtar 2 celulares, um no valor de R$ 169,00 e outro no valor de R$ 479,00, não se aplica. Se for roubo de 30 m de fio de cobre e uma lâmina de serra usada, tudo no valor de R$ 15,50, se aplica a insignificância (no caso houve ameaça por um grupo de pessoas de causar mal à vítima à noite). Já não se aplica se o réu entrar na residência da vítima para furtar um aparador de grama no valor de R$ 108,20. Num dos julgamentos, o STF dá como fundamento do princípio da insignificância o seguinte: Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que toma São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta compensatio.

Se, porém, alguém trouxer do exterior muamba no valor de R$ 20 mil e não pagar os tributos (que giram em torno de R$ 10 mil), será beneficiado pelo princípio da insignificância.

Há outras situações que também indicam a grande subjetividade que está norteando (ou desnorteando) a aplicação da insignificância. São decisões de outros órgãos do Judiciário, das quais tomei conhecimento na prática profissional: se o Fulano sonega tributos até 10 mil reais, se aplica a insignificância; mas se pratica estelionato para obter algum valor, ainda que inferior a 10 mil reais, do erário, não se aplica a insignificância (casos de pessoas que simulam aposentadoria junto ao INSS, ou continuam a receber o benefício de alguém que faleceu, por exemplo).

Num dos pedidos de arquivamento de contribuição previdenciária que fiz, o acusado havia empregado pessoas sem registro (trabalho informal). Este pedido - sem o nome das partes - e no qual há mais informações sobre o tema, inclusive os precedentes históricos sobre punição a crimes de pequeno valor (caso dos furtos de menos de um marco de prata nas Ordenações Filipinas) está no link. Para vê-lo, clique aqui.

O fato é que o princípio da insignificância, na prática, vai significar, na verdade, o fim de um processo sem muito trabalho (não há denúncia, não há audiências, nem sentença, nem recursos). Tecnicamente, o processo nem começa, pois seu início só se dá com o recebimento da denúncia. A forma legal de não prender/não punir alguém que pratica crimes de pequeno valor é o "perdão judicial". Ele só existe no furto e no estelionato (ver o link do pedido de arquivamento acima citado). Mesmo assim, só pode ser aplicado após processo regular (com denúncia, audiência, sentença e recurso) e o beneficiado pelo perdão ainda fica com o nome no rol dos culpados (ou seja, é tido como delinquente, fica com a ficha suja, mas não vai preso e nem sofre pena). Na insignificância não: quem cometeu o crime sai limpinho, como se réu primário fosse.

sábado, 26 de setembro de 2009

Dia Mundial Sem Carro







A primeira das fotos acima é da minha primeira bicicleta (a foto foi feita em Balneário Camboriú, mas eu morava em Itajaí). Devo tê-la ganho quando tinha uns 3 ou 4 anos, no Natal. Depois ela foi reciclada e a ganhei de novo num outro Natal em que eu tinha uns 7 anos. Mas, aos 8 e poucos anos, ela já não atendia às minhas necessidades e desejei obstinadamente outra bicicleta, com mais recursos (giro livre do "pinhão" e freio). Ganhei, enfim, a bicicleta pretendida aos 10 anos (a da segunda foto). Era de tamanho médio, Caloi, verde (cor do Clube Náutico Almirante Barroso - único time de futebol por que torço até hoje, mas que não joga futebol há mais de trinta anos: em todo esse tempo, portanto, nunca sofri com uma derrota, nem vibrei com uma vitória) e com ela percorri todos os cantos de Itajaí.



Itajaí é um lugar plano, de modo que se percorre facilmente toda a cidade de bicicleta. Talvez seja por isso que, até hoje, quando a população está perto dos 200 mil habitantes, haja só uma empresa de transporte coletivo na cidade. Não lembro se lá há ciclovias, mas com ou sem elas, as bicicletas inundam a cidade e nunca se fez campanha para as pessoas usarem este meio de transporte (se fizeram eu nunca soube). Por isso que, quando fotografei a primeira casa de alvenaria construída em Itajaí, não consegui fazê-lo sem que houvesse bicicletas na frente (a terceira das fotos acima foi tirada por mim e José Darcy para um concurso, no começo da década de 80).



Morei em Florianópolis e depois em Blumenau. As duas cidades são montanhosas, volta e meia há uma rua que sobe outra que desce. E nem é culpa da colonização portuguesa, pois se Florianópolis foi colonizada por açorianos, Blumenau o foi por alemães. Mas nas duas cidades se constroem ou se fazem marcações nas ruas para ciclovias, campanhas para que as pessoas andem de bicicleta, admoestações para que não usem carros.



Isso me faz lembrar uma reflexão de Frans DE WAAL (Eu, primata, Cia. das Letras, 2007, p. 70): na década de 70 se via o comportamento humano como algo totalmente flexível: não natural, mas cultural. As pessoas acreditavam que, se realmente quiséssemos, poderíamos nos livrar de tendências arcaicas como o ciúme sexual, os papéis de cada sexo, a propriedade privada e, sim, o desejo de dominar.



No caso dos carros, penso que as pessoas que instituem um Dia Sem Carro acreditam que todos os que se deslocam de automóvel o fazem por diletantismo, sem outro motivo que não seja poluir o meio-ambiente.



Talvez um pouco de empatia mostrasse que há necessidades e emoções envolvidas no uso de carros. Há os que precisam trabalhar de carro, seja porque o transporte coletivo é deficiente, porque há violência nas ruas, pedintes aborrecidos etc. Ou mesmo por exigência da profissão, do patrão etc.



Há a emoção do que ficou anos esperando para comprar um carro e, agora que conseguiu, é surpreendido pela proibição de usar um bem que tanto desejou (fico imaginando se, depois de sonhar tanto com a minha bicicleta, criassem um "dia sem bicicleta". Frustrante, não?).



Que se precisa diminuir a quantidade de carros em circulação é ponto que qualquer pessoa sensata concorda. Mas não seria melhor criarmos condições para que se use um meio de transporte menos poluente e mais racional, em vez de constranger as pessoas?



A julgar pelos meus conterrâneos de Itajaí, se há condições propícias, é claro que se vai andar de bicicleta. Se o ônibus é confortável e pontual e a rua é segura, porque não usar o transporte coletivo?



Enfim, as pessoas não são tolas, mas há campanhas que parecem ignorar este pressuposto.



sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Férias de 60 dias

As férias de 60 dias são uma instituição milenar entre nós. Hoje, valem para Juízes e Membros do Ministério Público. Começaram no Fuero Juzgo (que vigorou na Península Ibérica do ano 500 até 711 e, até o ano 1.100 em partes da península (veja os textos nos links), chegaram até as Ordenações Afonsinas e as Filipinas fizeram a ponte até nossos dias. Tanto no Fuero Juzgo quanto nas Ordenações se destinavam a evitar que pessoas fossem chamadas à Justiça durante a colheita.
O recesso de Natal foi instituído em 1890, quando da criação da Justiça Federal (Decreto 848, art. 383).

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Donde vieram nossas leis

A forma de fazermos leis jurídicas e vivê-las é que caracteriza nossa cultura jurídica. A cultura é um modo de fazer, viver e conviver com as regras. A cultura jurídica é o modo de fazer, viver e conviver com as regras jurídicas. O Direito são as leis, o que se escreve sobre as leis, a forma como elas são aplicadas pelos Tribunais, enfim, toda a operacionalização do fenômeno jurídico. Quando falo nas formas de fazer as leis, não quero só me referir ao processo legislativo, ou seja, aquelas formalidades que se cumpre, nos poderes legislativo e executivo, para tornar uma prática uma lei. Refiro-me também ao modo como uma regra chega àqueles que podem iniciar o processo legislativo, como recebe atenções e interesses e o que a faz se tornar lei.

Tudo isso é resultado de uma longa formação histórica, que - do lado ibérico - vem desde os gregos, passa pelos romanos, começa a se consolidar com os visigodos, recebe um tempero muçulmano e, finalmente, adquire suas feições definitivas em Portugal; do lado africano, parte dos bantos e se consolida em Angola e Moçambique; e, no lado ameríndio, vem desde Luzia, se revela nos Tupis, Gês, Tapuias, até se confundir com nossas práticas cotidianas.

Quais destes ancestrais jurídicos assumimos como tais? Todos, ou só os que tinham escrita?

Ou quem sabe negamos nosso passado jurídico e preferimos nos comportar como desecendentes de ingleses, franceses e alemães?

Isto é para refletir.

Para mais detalhes sobre meus estudos a respeito do tema, clique aqui.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Dilação ou Dilatação? (2)

Como já foi visto em outra postagem, dilação é sinônimo de prazo e, mesmo admitindo-se seu uso como sinônimo de dilatação, em direito tal prática não é tecnicamente correta.
Talvez o uso de dilação como sinônimo de dilatação tenha se alastrado por causa do pouco uso daquela palavra na legislação processual mais recente. O Código de Processo Civil só traz a palavra "dilação" uma vez:
Art. 241. Começa a correr o prazo:
(...)
V - quando a citação for por edital, finda a dilação assinada pelo juiz

O Código de Processo Penal não traz a palavra dilação. O Código de Processo Civil de 1939 (veja aqui a íntegra) também não usa esta palavra, que vai aparecer com frequencia nas Ordenações Filipinas, especialmente no livro 3 (veja aqui a íntegra do livro 3, aqui e aqui as partes que falam das dilações).

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Festival de Arcozelo 3




A foto acima é da abertura do VII Festival de Teatro de Estudantes, ocorrida em 18.2.1975. Eu estou de bonezinho (tinha acabado de passar no vestibular para Direito) e sou o terceiro sentado no primeiro degrau da arquibancada, após o Maestro. Há, acima, o destaque da foto e, em seguida, a foto das duas páginas (58 e 59) da revista Fatos & Fotos nº 757, de 23 de fevereiro de 1976.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Top Less e a Lei

Dia 21 de setembro é o fim do nosso inverno e o fim do verão no hemisfério norte. Em muitas praias da Europa o topless é prática normal, que nem abala as pessoas. Em Marbella (sul da Espanha) por exemplo, mulheres fazem top less na areia da praia e ninguém se importa. Na piscina do hotel, a mesma coisa. Lá há também os contrastes: na mesma piscina vi mulheres fazendo top less e outra (bastante jovem) totalmente vestida, só expondo o rosto, as mãos e os pés (tudo me fazia crer que era muçulmana mas, como não lhe perguntei sobre a religião, fica a dúvida).
Não consigo, porém, ter certeza se o top less na Europa é tão natural quanto parece, pois nestes albuns públicos que existem na internet, poucas mulheres que fazem top less nas praias se deixam fotografar em total exposição e colocam estas fotos na rede mundial.
Nos albuns públicos da internet, como há fotos de mulheres fazendo top less mas cobrindo o corpo com as mãos, fica a impressão de que mantêm a ideia de que, na nudez, ainda que parcial, há algum tipo de transgressão.
No Brasil o top less não pegou. Houve alguns episódios na década de 80, tolerados na ocasião, depois a coisa foi sumindo e, ultimamamente, quaisquer tentativas são reprimidas.
Mas nossa legislação não tem uma proibição explícita ao top less ou ao nudismo.
O artigo 233 do Código Penal pune a prática de ato obseno em lugar público, aberto ou exposto ao público (Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público). Este artigo 233 não diz claramente, portanto, que a nudez total ou parcial é um ato tido por delituoso. Nem, portanto, que o top less (seios nus) o é. No referido artigo apenas se estabelece punição para atos que, sob a denominação genérica de "obscenos", venham a ser praticados sob as vistas da população (para ver o artigo 233 e a íntegra do Código Penal, clique aqui).
A palavra "obsceno" deriva do latim "obscaenus" e, segundo o Dicionário Esclar Latino-Português (FARIA, Ernesto. Rio, MEC/DNE/Campanha Nacional de Material de Ensino, 2ª edição, 1956) dá os seguintes significados para ela: I-Sent. próprio (língua augural): 1) De mau agouro, sinistro (...). II - Daí, na língua corrente: 2) De aspecto repelente, que se deve ocultar ou evitar, indecente (...). 3) Obsceno, impudico, desonesto (...). 4) Imundo, porco (...).
O tema tratado pelo art. 233 do Código Penal também é objeto do art. 61 da Lei das Contravenções Penais: Art. 61. Importunar alguem, em lugar público ou acessivel ao público, de modo ofensivo ao pudor (veja aqui a íntegra da Lei das Constravenções Penais).
A palavra "pudor" vem do latim "pudor, oris", cuja origem é "pudeo", que significa "ter vergonha ou causar vergonha" (BUENO, Francisco da Silveira. "Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa". Santos, Editora Brasíia. 1974, 9 volumes).
Assim, vai depender da interpretação social e da forma como a Autoridade vai captar esta interpretação, a consequência jurídica da nudez pública. Se alguém for processado por praticar a nudez em público (mesmo que parcial - caso do top less), tudo vai ficar na dependência da interpretação que o Poder Judiciário der às normas do Código Penal acima citadas.
Gay Talese, no livro "A Mulher do Próximo" pesquisou as decisões da Suprema Corte dos EUA sobre nudez e constatou um abrandamento às restrições no decorrer do século XX.
No Brasil achei poucas decisões do STF.
Sobre top less, o STF diz que O QUE A LEI TUTELA, NO CRIME DEFINIDO NO ART. 233 DO CÓDIGO PENAL, É O PUDOR COLETIVO, OBJETIVAMENTE CONSIDERADO, POUCO IMPORTANDO A CONCEPÇÃO PESSOAL DO AGENTE A RESPEITO DA OBSCENIDADE DA AÇÃO QUE PRATICOU OU PRETENDE PRATICAR; 3) COMPETE A AUTORIDADE PÚBLICA AFERIR O SENTIMENTO MEDIO DE PUDOR COLETIVO E FAZÁRIO DESPROVIDO.
Esta decisão foi dada num Recurso em Habeas Corpus nº 50828 / GB, vindo do antigo Estado da GUANABARA, que foi julgado em 1973 (leia a decisão aqui).
Sobre mostrar as nádegas num teatro, o STF diz que não há crime (leia a decisão aqui).
Curioso, portanto, que, num país em que há quem apregoe que só cumpre a lei quem quer, haja normas cuja aplicação dependa de um esforço de interpretação e que, no entanto são tão rigorosamente obedecidas, como é o caso da proibição do top less. Mesmo que esta proibição só decorra do significado que se der às palavras da lei.

domingo, 20 de setembro de 2009

Aos Costumes disse nada...

Para quem é leigo em Direito e não sabe o que é, audiência é um ato processual em que se ouve e se registra o depoimento de testemunhas, peritos etc num processo judicial (pode haver audiências em outros processos e procedimentos, também). Certa vez um jornalista (penso que foi Josias de Souza, na FSP) disse que as audiências judiciais (aí incluídas as sessões dos Tribunais) dividiam-se em enfadonhas e insuportáveis. Não lhe tiro a razão, especialmente depois que passo uma longa tarde participando de audiência.
Estas audiências são registradas em documento, o que, em linguagem jurídica se chama reduzir a termo. E estes termos invariavelmente começam com a expressão "aos costumes disse nada" (se a testemunha não for parente, amigo íntimo etc do autor ou do réu) ou "aos costumes disse ser pai do Réu" (se for esta a relação da testemuna com o réu). Esta expressão "aos costumes", porém, não consta em lei alguma que hoje esteja em vigor no Brasil. As leis que regulam as audiências são o Código de Processo Civil (CPC) e o Código de Processo Penal (CPP). O CPP não determina o uso de palavra especial alguma nos termos de depoimento, nem o CPP: ambos se limitam a dizer os casos em que as testemunhas não podem depor ou são suspeitas e a determinar que seja prestado (pelas testemunhas) o compromisso de dizer a verdade (CPC, artigos 279 e 417; CPP, artigos 208, 215 e 216). Para ver a íntegra do CPC clique aqui e do CPP, aqui.
Donde vem, portanto, a crença na obrigatoriedade de fazer constar dos termos de audiência a expressão "aos costumes"?
É que estes atos cotidianos da vida forense são feitos a partir de formulários, muitos dos quais repetidos há séculos. A exigência de colocar a expressão "aos costumes" estava, pelo menos, nas Ordenações Filipinas (podiam estar antes, em leis mais antigas), que começaram a vigorar no Brasil em 1603. O Texto é o seguinte:
Livro 1
TÍTULO LXXXVI
Dos Inquiridores
Os Inquiridores devem ser bem entendidos e diligentes em seus Ofícios, em modo que saibam perguntar e inquirir as testemunhas por aquilo, para que forem oferecidas. E antes que a testemunha seja perguntada, lhe será dado juramento dos Santos Evangelhos, em que porá a mão, que bem e verdadeiramente diga a verdade do que souber, acerca do que for perguntado. O qual juramento lhe será dado perante a parte, contra quem é chamada, se ela a quiser ver jurar; do qual juramento o Tabelião, ou Escrivão dará sua fé no dito da testemunha que escrever. E depois que assim jurar, dará seu testemunho secretamente, sem nenhuma das partes dele ser sabedor, até as inquirições serem abertas e publicadas. E assim as perguntará logo pelo costume e coisas, que a ele pertencem, convém a saber, se tem divido ou cunhadio com alguma das partes, e em que grau, e se tem tão estreita amizade, ou ódio tão grande a alguma delas, por que deixem de dizer a verdade. E se receberam de alguma delas ou de outrem em seu nome algumas dádivas, e se foram rogadas, ou subornadas, que dissessem em favor de alguma das partes: e lhes perguntarão por suas idades. E tudo o que disserem escreverá o Tabelião, ou Escrivão, que a inquirição escrever. Pelo qual costume perguntarão sempre as testemunhas, sob pena de perdimento dos Ofícios, assim nas inquirições devassas, como judiciais. Porém nas inquirições devassas gerais, ou particulares perguntarão pelo costume no fim do testemunho.
Para ver o texto completo nas Ordenações, edição de 1875, clique aqui.

sábado, 19 de setembro de 2009

Temis ou Diké

Temis me foi apresentada como Deusa da Justiça. Mas há quem diga que a Deusa da Justiça é Diké. Para saber se é Têmis, clique aqui e aqui para saber se é Diké.
Pois bem, isto me veio à cabeça por causa de uma formatura que fui hoje.
As formaturas têm se tornado mega-eventos. Custam na faixa de 55 mil reais, mas casamentos podem custar 20 mil, 70 mil reais e daí para frente.
Na verdade mega-eventos não são coisas de nossos dias. Petrônio, em Satiricon, conta uma festa de Trimálquio ou Trimalchão (conforme a tradução) que é verdadeiramente do arromba. E a festa se passava lá pelo ano 50 da nossa era, ou pouco antes.
Cervantes, em Don Quixote, narra um casamento de cair o queixo, tal o luxo e a extravagância. E a festa ocorre lá por volta de 1400.
Pois bem, na formatura colavam grau alunos de Administração e de Direito. Ao fundo, num quadro de sombras, havia um rapaz segurando o símbolo da Administração. Noutro quadro, à esquerda, a sombra de uma moça trajada tal qual Temis ou Diké.
Percebi, então, o quanto o símbolo da Justiça (usado também para o Direito) é mais carregado de significados, promessas e ameaças do que tantos outros. A balança significa que a justiça deve buscar o equilíbrio. Dado o equilíbrio pela Justiça, ele tem que ser aceito na marra, donde a espada. Mas a Justiça deve ser justa sem ver para quem está agindo, donde a venda nos olhos.
Não sei se a moça era mais criativa do que o rapaz, ou se com uma espada e uma balança se faz muito mais poses, trejeitos e gestos do que com um um símbolo do infinito esculpido dentro de um retângulo (este é o símbolo da Administração).
Mas insisto na quantidade de significados de Têmis ou Diké. Convenhamos, por exemplo, que é difícil alguém impor o equilíbrio na base do golpe ou da ameaça de golpe de espada, sem estar envolvido com o Estado ou sem ter o poder de aplicar o Direito. Logo, então, se vê que só tem condições de aplicar o Direito quem dispõe da força para fazer com que a aplicação funcione. Mas esta força tem que ser lícita, regular, formal. Tem que ser aceita. Não pode ser força pela força.
No mais, símbolo é o que une e diábolo o que desune (quem me chamou a atenção para isso foi o Paulo, meu sobrinho e afilhado). Não sei se ele já escreveu alguma coisa sobre isso.
Agora surgiu-me uma preocupação: vendo que está na moda colocar, em colações de grau, pessoas ostentando símbolos das respectivas profissões dos formandos, espero não ser convidado tão cedo para uma formatura de medicina, pois as duas cobras podem fugir para a platéia.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Clavaria Flava


José Darcy da Silva Júnior foi um dos meus grandes amigos. Morreu em 1989. Entre 1976 e 77, dentre as peças que dirigiu, estava A Criminosa, Grotesca, Sofrida e Sempre Gloriosa Caminhada de Alqui Cabala Silva em Busca da Grande Luz (foto acima do cartaz). Havia um patrocínio da peça, ensaios etc. Eu era o sonoplasta de confiança dele e fui chamado a Curitiba para ajudar na pesquisa da trilha sonora (Darcy até ajudou nas minhas despesas de locomoção e hospedagem).

Desde o nome, até o texto a peça era, digamos, ousada. E ensaio vai e ensaio vem, quando chega bem perto da apresentação, a censura proibiu a peça.

Naquele tempo da Ditadura Militar era assim: por uma coisa ou por outra, bobagem ou coisa séria com que os censores implicassem, ia uma obra artística pro brejo. E não se encenava e se levava prejuízo. Tempos horríveis aqueles.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

E Sarney ficou...


O primeiro semestre deste ano começou com os escândalos da Câmara dos Deputados e ter-minou com os escândalos do Senado. Do que se acompanhava na imprensa, ficava a impressão de que o país finalmente havia descoberto os irregularidades que maculavam seu parlamento e, num misto de surpresa e indignação, pedia punição exemplar aos culpados. Mas o tempo passou e nada aconteceu. E parece que vai ser esquecido.

Não, a verdade não me parece ser essa.

A verdade é que o escândalo, a pasmaceira da imprensa e da opinião pública fazem parte da encenação, ou da cultura nacional em relação ao parlamento. Pelo menos desde 1986, parte da população (a que residia em Itajaí - SC) já achava que os parlamentares não estavam cumprindo com suas obrigações. Neste universo que pesquisei entre 1986 e 1897, a grande maioria não achava que os parlamentares estavam fazendo o que deveriam fazer, como mostra o gráfico acima.

Não adianta o parlamento trabalhar


Se a pesquisa que fiz em Itajaí em 1986 vale para hoje, os parlamentares podem morrer de trabalhar que não serão reconhecidos como eficientes. Não que eu queira fazer aqui uma defesa dos políticos. Mas também não faço ataques. Apenas relato. E relato que, na pesquisa que fiz em Itajaí em 1986, se a maioria dos entrevistados dizia que os políticos não estavam cumprindo com suas obrigações, a mesma esmagadora maioria não sabia dizer quais eram as obrigações, as atribuições dos parlamentares. O quadro da postagem anterior mostra que as pessoas achavam que os parlamentares não cumpriam com suas obrigações. Mas, instados a listar as obrigações, o trabalho que devem realizar cotidianamente os parlamentares, só uma minoria dos entrevistados (muito minoritária) sabia dizer corretamente quais eram estas obrigações.

Não sei em quem votei...




Pouco importava aos pesquisados de 1986, referidos nas duas postagens acima, quais eram as obrigações dos parlamentares: menos de 35% se lembravam em quem tinham votado nas eleições anteriores. Assim, como medir o trabalho do parlamentar que ajudaram a eleger e aprová-lo (votando naquele parlamentar) ou reprová-lo (não votando nele)? Ou seja, se o parlamentar só fizer leis e fiscalizar o executivo (suas obrigações constitucionais) isto não deve fazer muita vista perante os eleitores, pois não sabem que estas são as obrigações dos legisladores. Talvez os nomes dos cargos dos parlamentares provoquem confusões, como também os origens históricas: Senado vem de senil, ou seja, velho; e, na época da monarquia, havia um Senado na corte. Deputado vem de deputação, que eram embaixadas, ou grupos de representantes que iam à Corte ou à "Capital" do Reino Português . Na Monarquia portuguesa, os representantes dos concelhos (com "c" mesmo) formavam deputações e sua reunião se chamava "cortes". Eles compareciam perante o rei para defender os interesses de suas comunidades (interesses administrativos). Os vereadores, na Monarquia absoluta, passando pelo Império até a República, não se ocupavam só de legislar (na época as leis dos vereadores se chamavam vereações ou posturas), mas também adminstravam os concelhos. Assim, não é de todo descabida a confusão que hoje os eleitores fazem.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Opinião Pública

Depois que um Deputado falou que se lixava para a Opinião Pública, muito se falou nisso. Mas o que vem a ser a "Opinião Pública"?
Encontrei um artigo de Sérgio CADEMARTORI, na Revista Sequência de dezembro de 1987, que trouxe vários conceitos de "Opinião Pública". Transcrevo abaixo estes conceitos, fruto da excelente pesquisa de CADEMARTORI.
Diz BONAVIDES que a Opinião Pública não tem uma definição precisa: dependendo do autor, ela seria a opinião de todo o povo, ou apenas da classe dominante, ou ainda das classes instruídas etc. Parece ele concordar com JELLINEK, quando este diz que a Opinião Pública seria "o ponto de vista da sociedade sobre assuntos de natureza política e social." Historicamente, porém, o conceito teve uma trajetória errática. Se para HOBBES, a Opinião Pública tem uma conotação negativa, por introduzir no Estado absolutista o germe da corrupção e da anarquia, para LOCKE a "lei da opinião" é uma verdadeira lei filosófica, servindo para julgar a virtude ou vício das ações. De acordo com ROUSSEAU, Opinião Pública é a "verdadeira constituição do Estado". KANT, respondendo à pergunta "Que é o Iluminismo", diz que ele consiste em fazer uso público da própria razão em todos os campos; é o uso que dela se faz como membro da comunidade e dirigindo-se a ela. Este uso público tem dois destinatários. Por um lado se dirige ao povo, para que se torne cada vez mais capaz de liberdade de agir; por outro, se dirige ao soberano, o Estado absoluto, para lhe mostrar que é vantajoso tratar o homem não como a uma "máquina" mas segundo sua dignidade. Já em HEGEL, a Opinião Pública fica situada no mesmo patamar que a sociedade civil, sem o vezo da universalidade, em face da desorganização desta última. Assim, a Opinião Pública, para HEGEL é manifestação dos juízos, das opiniões e pareceres dos indivíduos acerca de seus interesses comuns. Para MARX, a Opinião Pública é falsa consciência, ideologia, pois numa sociedade dividida em classes, emascara os interesses da classe burguesa: o público não é o povo, a sociedade burguesa não é a sociedade geral, o burgeois não é o citoyen, o público dos particulares não é a razão.
CADEMARTORI faz outras considerações e diz que, com o Estado liberal, a Opinião Pública passa a ser uma instância política central nas relações entre as esferas política e privada. E através da Opinião Pública a burguesia tenta impor limites à autuação da autoridade.
Mas a sociedade, diz CADEMARTORI passa a ser manipulada ideologicamente pelos detentores do poder, através da grande mídia. (...) Assim, a versão substitui o fato; a opinião dos barões da imprensa advém à opinião de todo o povo; o real é moldado pela editoração da mídia. Os espaços de circulação dos discursos de grupos divergentes são sufocados, impedindo toda ação coletiva autônoma.
(...)
HABERMAS, por seu lado, constatando que "as instituições constitucionais do estado social-democrata de massas contam com uma opinião pública intata, porque esta continua a ser a única base reconhecida de legitimação da dominação política, postula que dois caminhos se apresentam hoje para definir o conceito de Opinião Pública: um conduz de volta ao liberalismo (um público pensante no meio de um público apenas aclamativo); outro leva a um conceito que abstrai de critérios materiais, limitando-se a critérios institucionais:...("com a ajuda da discussão parlamentar, a Opinião Pública dá a conhecer suas aspirações..."). Para ele, os dois caminhos levam em conta que a opinião do povo raramente mantém ainda alguma função política relevante. De acordo com este autor, assim, "uma opinião rigorosamente pública só pode estabelecer-se à medida em que os setores informais e formais da comunicação sejam intermediados pela publicidade crítica.'" (CADEMARTORI, Sérgio. "A Opinião Pública como Instrumento de Reflexão paraa Política Jurídica". Revista SEQUÊNCIA Nº 15, UFSC, Florianópolis, DEZ/87,pp. 45-49).
Aferir a Opinião Pública é um modo de saber o que o povo pensa. Mas esta aferição deve seguir critérios científicos. Sobre estes critérios, escrevi artigo que pode ser visto neste link indicado.

sábado, 12 de setembro de 2009

Fotos de Pelourinhos em Portugal











As fotos acima são de Pelourinhos em Lisboa, Cintra, Cascaes e Coimbra. Sobre o conceito de pelouro e pelourinho, ver a postagem seguinte às fotos de pelourinhos no Brasil.

Fotos de Pelourinhos no Brasil
















Pelourinhos de São José/SC (exposto no museu de Laguna), Ouro Preto/MG, São Luiz/MA e Mariana/MG. Sobre o conceito de pelouro e pelourinho, ver a postagem seguinte.

Pelouro e Pelourinho

Segundo Cândido Mendes de Almeida, nos comentários às Ordenações Filipinas, Livro 1 TÍTULO LXVI - Bens dos Concelhos - no link p. 147 - Nota 2 - Pelouros eram pequenas bolas de cera onde se introduzia um papel com o nome da pessoa de que se havia feito escolha para Juiz Ordinário ou Vereador. Essas bolas tiravam-se à sorte no fim de cada ano e os nomes dos indivíduos nelas encerrados eram os dos escolhidos para servirem no ano seguinte. A descrição da eleição dos Juízes e vereadores encontra-se no Livro 1, título 67 pr. §§ 1, 3 e 5, ou seja, no link, a partir da p. 153. Pelouro chamava-se outrora a bala das armas de fogo e da sua semelhança proveio chamar-se pelouro a bola de cera empregada nas antigas eleições municipais. No Brasil, ultimamente (por volta de 1875 - época da edição da obra), em vez de bola de cera, era o pelouro a própria cédula lacrada. Em geral o pelouro designava a lista ou bilhete da eleição, o voto do eleitor. Sair nos pelouros significava sair nomeado, eleito. Também se chamava Pelouro o serviço das Câmaras distribuído à sorte pelos Vereadores. Havia pelouros da Saúde, da Limpeza, das Obras, das Carnes, do Terreiro do Trigo, da Almotaçaria, etc. Há grande diferença entre pelouro e pelourinho, não só quanto à etimologia das palavras, como ao fim à que eram destinados. Destes objetos não se faz hoje uso. Vide Lei do 1º de Outubro de 1828 arts. 48 e 49.
O conceito de pelourinho está no Livro 2, TÍTULO LIII - p. 486, nota 3 - Pelourinho era uma coluna de pedra ou madeira, picota, a prumo, posta em alguma praça de Vila ou Cidade, a qual se atava pela cintura o preso que se expunha à vergonha, ou era açoitado: tinha argola, onde se podia enforcar e dar tratos de polé (tipo de tormento em que se estica o corpo do preso) e pontas de ferro de por cabeça. Nessas colunas era costume afixarem-se editos. Moraes é de parecer, que deu-se a tais postes o nome de Pelourinhos, porque junto deles na praça Conselheira, ou da Câmara Municipal, se abria a arca dos Pelouros paratirar os novos Oficiais das Câmaras ou subrogados a outros.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Augusto

Não o conheci, mas é como se tivesse convivido com ele. Era preto, usava chapéu de abas largas, lábios grandes e pendentes (beiçudo, segundo se dizia), sempre empurrando um carrinho de mão. Provavelmente chegava até a casa da minha avó paterna vindo pela Rua Guarani, na direção do Rio Itajaí-Açu. Creio ser esta a direção, pois onde hoje é a Igreja Matriz da Paróquia do Centro de Itajaí, havia antes um cemitério.
Soube do fato do cemitério ficar no caminho de sua casa por um fato narrado por meu pai. Numa ocasião, Augusto ia para casa, levando uma garrafa vazia debaixo do braço, com o gargalo apontado para frente. O vento, entrando pelo gargalo da garrafa, provocou um assobio constante e isso aconteceu exatamente quando Augusto passava na frente do cemitério. O susto e o pânico fez Augusto acreditar que se tratava de uma alma a persegui-lo e o homem se pos a correr e quanto mais corria, mais a garrafa assobiava. Chegou em casa esbaforido e caiu em si quando, parado viu o barulho sumir. Ele próprio deve ter achado a história engraçada, pois, tendo-a vivido sozinho, encarregou-se de fazer piada de si mesmo.
Meu pai dizia que Augusto era filho de escravos, talvez neto. Viveu na primeira metade do século vinte, morrendo em fins da década de 50, já com uns 60 ou 70 anos (ainda neste tempo a vida média do brasileiro - especialmente se pobre - era curta).
O nome Augusto virou um código para nós. É que ele era um factótum para minha avó, especialmente depois que ela ficou viúva (meu avô morreu em 1930, proferindo um discurso no cemitério, em comemoração à revolução - ou golpe? - que acabara de acontecer). Só que os trabalhos de Augusto não eram contratados de acordo com as urgências ou necessidades (e daí veio o código). Ele era chamado só quando, casualmente, passava pela casa de minha avó. Assim, se quebrasse um trinco, se esperava o dia em que Augusto iria passar, para então fazer o conserto. Entupiu um cano? Quando o Augusto passar, se arruma; quebrou uma telha? Quando o Augusto passar ele a substitui. E até hoje, para nós, "quando o Augusto passar" virou sinônimo de tarefa adiável ou que se tem preguiça de fazer de imediato.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O Poder

Há um livro de Bertrand Russell chamado "O Poder - uma nova análise social" (tradução de Nathanael C. Caixeiro, Rio, Zahar, 1979) que tem algumas reflexões muito interessantes:

O poder pode ser definido como a produção de resultados pretendidos. É, pois, um conceito quantitativo: de dois homens com desejos semelhantes, o que realizar mais que o outro será o que tem mais poder. (p.24)
...a polícia existe para proteger os interesses dos homens honestos, assim como para deter os ladrões, mas o seu impacto sobre os ladrões é muito mais enfático que seus contatos com os que acatam a lei.(p. 127)
O direito à liberdade de palavra é ilusório se não abranger a liberdade de dizer coisas que possam ter consequências desagradáveis a certos indivíduos ou classes. (p. 137)
A maioria dos homens deseja a sua própria felicidade; considerável percentagem deseja a felicidade dos seus filhos; e uns poucos desejam a felicidade da sua nação; alguns, autêntica e enfaticamente, desejam a felicidade de toda a humanidade. (p.153)
O amor ao poder, no sentido mais amplo, é o desejo de ser capaz de produzir efeitos pretendidos sobre o mundo exterior, humano ou não-humano. (p.163)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Processo Eletrônico 2

Dois médicos que consultei recentemente mediram minha pressão com aquele aparelho tradicional (aparelho + estetoscópio). A médica regula a idade comigo e o médico está na casa dos
trinta (deve ter uns 35). Perguntei-lhes porque não usavam um destes modernos equipamentos eletrônicos para medir pressão e me disseram que o que usavam era mais preciso, inclusive porque o estetoscópio lhes permitia ouvir a passagem do sangue.
Assim é o processo eletrônico: aparentemente mais fácil, mas com menor precisão.
Do medidor de pressão passei a conversar com a médica sobre o processo eletrônico e ela me disse que acreditava que a novidade faria os processos andarem mais rápido. E, de fato, é esta a idéia que se está vendendo.
Já falei em outra ocasião que o processos eletrônico mudará pouquíssima coisa. Diz-se, por exemplo, que irá de um tribunal de segunda instância a um tribunal superior em segundos. Isso é verdade, mas estas trajetória que os processos seguem significam muito pouco do tempo que se gasta com eles. Em geral, os processos passam muito tempo esperando prazos ou mesmo sentenças. Uma das ações civis públicas que assinei como órgão do MPF, por exemplo, está há 3 anos esperando julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Nada disso vai mudar com o processo eletrônico: ele tem que ser lido, estudado, instruído (= receber provas), contestado etc. E tudo isso vai levar o mesmo tempo que leva hoje.
Então, fazer do processo eletrônico uma panacéia, capaz de resolver a demora nos julgamentos, é atitude que corre o risco de se transformar em mais uma ilusão.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Festival de Arcozelo (2)


Em outra postagem falei sobre o Festival Nacional de Teatro de Estudantes que ocorreu na Aldeia de Arcozelo, Município de Vassouras/RJ. Consultando meus arquivos, encontrei esta sobra do ticket das refeições que ganhávamos. Ali vê-se que se tratava da sétima edição do Festival e que deveria durar do dia 18 ao dia 28 de fevereiro de 1975. Mas a sobra de tickets revela que o Festival foi encerrado antes do que devia: dia 25 de fevereiro. Mesmo assim, ficamos até dia 28 na Aldeia, pois havíamos combinado que a kombi nos buscaria nesta data.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Cumprir a Lei ou dar jeitinho


Em 1988 defendi minha dissertação de Mestrado na UFSC, baseada numa pesquisa de campo que fiz em Itajaí em 1986 e 1987. Uma das perguntas era a seguinte: Diante de uma complicação é preferível cumprir a lei ou dar um jeitinho?
Respostas

Prefere cumprir a lei - 244 = 69,54%
Prefere dar um jeitinho - 36 = 10,26%
Depende da complicação - 25 = 7,125%
Pref. cumprir a lei, mas, às vezes, o jeitinho resolve - 11 = 3,135%
Pref. cumprir a lei, mas, se possível, dá um jeitinho - 10 = 2,85%
Pref. jeitinho, mas tentou justificar sua opção - 7 = 1,995%
Pref. cumprir a lei, se for certa ou justa - 7 = 1,995%
Não sabe - 5 = 1,425
Pref. jeitinho, acha errado, mas considera um costume - 4 = 1,14
Pref. jeitinho, pois no Brasil todos agem assim - 2 = 0,57%
TOTAL = 351 ou 100,00%

domingo, 6 de setembro de 2009

Cão sem coleira

Já me disseram que cachorro na coleira se sente mais seguro. Nunca fui conferir. Mas vai que esteja certo...
Por esta razão, meu medo de cachorro aumenta quando vejo um sem coleira. Hoje vi um, daqueles grandes. Era branco e peludo. Seus donos, ou prováveis donos (uma jovem muito bonita e um cara que podia ser pai ou namorado dela), andavam pelo calçadão de Jurerê segurando a coleira. O cão ia sozinho, livre, leve e solto.
Primeira contravenção:

Lei das Contravenções Penais - DECRETO-LEI Nº 3.688, de 3/10/1941

Art. 31. Deixar em liberdade, confiar à guarda de pessoa inexperiente, ou não guardar com a devida cautela animal perigoso:
Pena – prisão simples, de dez dias a dois meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:
a) na via pública, abandona animal de tiro, carga ou corrida, ou o confia à pessoa inexperiente;
b) excita ou irrita animal, expondo a perigo a segurança alheia;

c) conduz animal, na via pública, pondo em perigo a segurança alheia.

Em dado momento, o cachorro se abaixa e defeca na calçada. Os donos se limitaram a dar uma bronca no cão, mas não juntaram o cocô.
Segunda contravenção (dos donos, por omissão; não do cachorro, claro):

Lei das Contravenções Penais - DECRETO-LEI Nº 3.688, de 3/10/1941

Art. 37. Arremessar ou derramar em via pública, ou em lugar de uso comum, ou do uso alheio, coisa que possa ofender, sujar ou molestar alguem:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, sem as devidas cautelas, coloca ou deixa suspensa coisa que, caindo em via pública ou em lugar de uso comum ou de uso alheio, possa ofender, sujar ou molestar alguem.

A providência correta seria chamar a polícia, levar os donos para a Delegacia, fazer um TC (= Termo Circunstanciado) e marcar uma audiência com o Juiz para que fosse feita uma transação (= um acordo), em que os donos aceitariam pagar uma pena em dinheiro (a multa de que fala a "Lei" está corrigida para valores atuais) ou em prestação de serviços à comunidade.
Se os donos já tivessem cometido um crime ou uma contravenção, seriam denunciados, mas ainda poderiam receber o benefício da suspensão condicional do processo.
Mas se já tivessem sido beneficiados por uma transação e por uma suspensão, responderiam a um processo contravencional e poderiam ser presos (se a pena não prescrevesse, claro).
Mas, se a lei fosse cumprida, imagina a gritaria da chamada "opinião pública"...

sábado, 5 de setembro de 2009

Hino na Ordem Direta

O trabalho que segue foi feito por meu pai, Alcino Marques da Silveira Brandão. Trata-se do Hino Nacional Brasileiro na ordem direta:

As margens plácidas do Ipiranga, ouviram o brado retumbante de um povo heróico.

E nesse instante o sol da liberdade brilhou, em raios fúlgidos, no céu da Pátria.

Se conseguimos conquistar com braço forte, o penhor dessa igualdade, ó liberdade, o nosso peito desafia a própria morte em teu seio.

Salve! Salve! Ó Pátria amada, idolarada.

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido de amor e de esperança desce à terra, se a imagem do cruzeiro resplandece em teu céu formoso, risonho e límpido.

Colosso impávido, gigante pela própria natureza, és belo, és forte, e essa grandeza espelha o teu futuro.

Ó Brasil, Pátria amada, tu és terra adorada, entre outras mil.
Brasil, Pátria amada, és mãe gentil, dos filhos deste solo.

Ó Brasil, florão da América deitado eternamente em berço esplêndido, ao som o mar e à luz do céu profundo, fulguras, iluminado ao sol do Novo Mundo!

Teus (campos) risonhos, lindos campos têm mais flores do que a terra mais garrida.

Nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores em teu seio.
Salve! Salve! Ó Pátria amada, idolatrada.

Brasil, o lábaro que ostentas estrelado seja o símbolo de amor eterno, e o verde-louro dessa flâmula diga: Glória no passado e paz no futuro.

Mas, se ergues a clava forte da justiça, verás que um filho teu não foge à luta, nem quem te adora teme a própria morte.

Ó Brasil, Pátria amada, tu és terra adorada, entre outras mil.

Brasil, Pátria amada, és mãe gentil, dos filhos deste solo!

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ética de Estelionatário

Estelionato é o crime do art. 171 do Código Penal. Consiste em conseguir uma vantagem mediante trapaça. Vem da palavra latina "stellio", que era um lagarto que mudava de cor (não sei se era um sinônimo de camaleão ou se era outro tipo de lagarto).
Pois, outro dia, participava do interrogatório de um estelionatário. O estelionatário é pessoa de muita lábia, pois do contrário não conseguiria enganar as pessoas.
Num dado momento, enquanto explicava seus crimes, ele fez questão de deixar claro: Na época em que cometi meus delitos (ou seja, hoje - que está preso - já não os comete mais), eu não era a favor da força física, nem das armas.
Era a ética dele: só passava a conversa nas pessoas, sem usar a força física ou armas para apoderar-se do patrimônio delas.
Afinal, se ética é a maneira ideal de agir, pode haver uma ética de estelionatário. Ou uma ética de qualquer coisa.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Festival de Arcozelo

Em 1975 participei de um Festival de Teatro de Estudantes de Arcozelo. Fomos em 10 rapazes adolescentes (16 anos na média) de Itajaí/SC para Vassouras/RJ. Numa Kombi. Viajamos direto, com uma parada de 4 horas na estrada para dormir. Hoje, com 52 anos, não sei se aguentaria.
Cada grupo de teatro (o nosso se chamava Folk) encenaria uma peça infantil. A nossa - que nós mesmos escrevemos - tratava de um menino que ganhava uma cesta de doces, os doces criavam vida e disputavam serem comidos pelo menino. Havia também uma barata que ameaçava atacar os doces.
Passamos uns 7 dias na Aldeia de Arcozelo. Havia uma boa quantidade de jovens atores, diretores, sonoplastas, enfim, esse povo que dá vida a uma peça de teatro. Era um infinidade de peças que se apresentavam, durante o dia e a noite. Havia palastres, mini-cursos etc. A abertura foi solene e estava presente Australgésilo de Athayde. Quem comandava a aldeia e o festival era Paschoal Carlos Magno.
Às vezes faltava água nos banheiros e, numa noite, um gaiato lambuzou de titica todo o banheiro masculino. Foi um escândalo. No dia seguinte, Paschoal nos reuniou no anfiteatro para uma admoestação coletiva. Das frases que disse, uma nunca esqueci: Quem fez isso não se realizou nem como homem, nem como mulher, nem como homossexual...
Depois da bronca, todos foram limpar o banheiro.
Chegou o dia de apresentarmos nossa peça. Pano aberto e começamos. Era uma peça infantil, mas nos maquiávamos naquele estilo dos Secos & Molhados, no auge então. Isso já deixou a platéia meio insatisfeita. Aí os doces iam saindo da cesta, todos rapazes (não havia mulheres no grupo - na época ainda eram ariscas para esta atividade, especialmente em Itajaí). O pirulito dizia: Me chupa, eu sou todo vermelhinho (e a platéia gargalhava). A maria-mole dizia: Me come, eu sou bem molinha, e a platéia ria mais ainda. E foi aí que começamos a nos dar conta de que a peça infantil - escrita por quase crianças - na verdade era carregada de erotismo. Mas a censura a tinha aprovado (havia censura na época - auge do regime militar).
A apresentação corria e a platéia rindo cada vez mais, até que Paschoal se levanta e grita: Parem a peça! Isso não é teatro infantil, é teatro de revista!
Darcy, o nosso Diretor, saiu dos bastidores, jogou a casaca listada que vestia no chão e soltou um palavrão.
Atônitos, paramos a peça.
Para nossa emoção, a platéia subiu ao palco e começou a gritar Folk, Folk, Folk... Abaixo o festival, abaixo o festival...
Saímos do Teatro e ficamos todos conversando. O festival terminaria dali a algumas horas. Seu término fora precipitado por falta de verbas ou algum outro motivo que não foi dito ou não lembro. Na época do regime militar as coisas eram assim: deviam acabar num dia, mas de repente acabavam, sem que se soubesse porque.
Como o festival acabou mais cedo, a Kombi, que voltara para Itajaí, nos deixou alguns dias na Aldeia à espera. Apresentamos uma outra peça de teatro para duas pessoas, pois todos os outros já tinham ido embora. A apresentação foi só para ocupar o tempo, pois ficamos sem nada para fazer naqueles dias.
Depois viemos embora.
O episódio ainda repercutiu uns meses em Santa Catarina, com acalorados debates no meio artístico, até o assunto cair no esquecimento.

Transcrição de Artigo

Abaixo, transcrição de artigo meu publicado no jornal Estado de Minas:

A história da investigação criminal
João Marques Brandão Néto - Procurador da República

A lei brasileira nem sempre consegue revogar o costume. Um deles que a lei não conseguiu revogar é chamar o Ministério Público, nos processos judiciais, de Justiça pública. Não que exista uma Justiça privada, mas é que, por longo tempo, no Brasil, o juiz presidiu a investigação. A história da investigação criminal entre nós talvez comece com as Ordenações Afonsinas (1456). Talvez, porque desde o século 12 o rei legislava em Portugal. Mas o detalhamento da investigação criminal chegou até nós e ficou por mais tempo nas Ordenações Filipinas (1603). Quando em vigor, a investigação criminal se limitava, basicamente, à audiência de testemunhas. Essa investigação criminal, que hoje chamamos inquérito, então se chamava "devassa". As devassas eram conduzidas pelos juízes (Livro 1, título 65, itens 31 a 72), que podiam ser "de fora" (nomeados pelo rei) ou "ordinários" (eleitos por homens bons moradores de um determinado "concelho").

Com a declaração de independência do país, diversas medidas processuais foram tomadas e, numa delas, já se fez a separação entre investigação e processo: o ato 81, de 2 de abril de 1824, impediu que o juiz da devassa julgasse a causa. Mas a consolidação das mudanças ocorridas no processo penal, depois da independência, se deu com o Código de Processo Criminal de 1832, que também inovou - não muito - a investigação criminal. O inquérito policial, então chamado corpo de delito, era feito pelo juiz de paz (art. 12). Mas havia muita confusão na parte que estipulava quem podia fazer a acusação: ora a Justiça, ora o promotor (Código Criminal do Império, 1831, art. 312), ora o acusador privado (Regulamento 120, de 31 de janeiro de 1842, artigos 337 a 339).

Até 1841, portanto, a investigação criminal era feita por juízes: juízes ordinários, na vigência das ordenações, e juiz de paz, de 1832 a 1841. Em 1841, é que os chefes de polícia e seus delegados também passam a fazer investigação. Note-se que é aí que surge a expressão "delegado", ou seja, o que recebe delegação do chefe de polícia. Mesmo assim, só os desembargadores e os juízes de direito podiam ser chefes de polícia; e só os juízes e cidadãos podiam ser delegados e subdelegados (todos amovíveis e obrigados a aceitar o encargo - Lei 261/1841, art. 2º). Mas a Lei 261 mantinha atribuições policiais com os juízes municipais (art. 17, parágrafo 2º).

A polícia judiciária é criada no Brasil em 1842 (Regulamento 120). Mas a investigação continua a se chamar "auto de corpo de delito" e "formação da culpa" (art. 198) e pode ser conduzida pela polícia ou pelos juízes municipais (art. 262). O inquérito policial, com a conformação mais próxima da que hoje é conhecida, surge no Brasil em 1871 (Decreto 4.824). Sua definição aparece no art. 42, era atribuição da polícia, mas as autoridades judiciárias poderiam nele interferir. Ou seja: continuava a não ser monopólio da polícia e, sim, do Judiciário. Mesmo assim, seu destinatário era o promotor público (art.44), também considerado uma autoridade judiciária.

Com a proclamação da República, cada estado passou a ter sua legislação processual penal. De 1891 a 1941, vigoraram os códigos processuais dos estados, mas Almeida Júnior, em livro de 1911, sempre se reporta às disposições do Código de Processo Criminal de 1832 e leis e decretos que o modificaram, quando escreve já no período republicano. Em 1941, entrou em vigor o atual Código de Processo Penal. Sua espinha dorsal ainda guarda muita semelhança com a legislação processual do Império. O inquérito policial é dirigido pela polícia, mas o destinatário é o juiz (art. 10, parágrafo 1º). Só com a Constituição de 1988, que consagra o monopólio da ação penal pelo Ministério Público (art. 129, I), é que começa a ocorrer uma desjudicialização dos procedimentos investigatórios. Talvez por isso é que, quando se pensa num Ministério Público investigativo, se imagine a figura de um magistrado fazendo diligências policiais. Mas é mera ilusão ótica, causada por um passado que se caracterizou pela investigação sendo conduzida ou controlada pelos juízes, pois quem acusa e é parte, por óbvio, pode e deve participar da coleta de provas.


terça-feira, 1 de setembro de 2009

Escravidão e Juristas

No Código Criminal do Império, em se tratando de escravos, as penas eram as mesmas dos livres e libertos quando eram de morte ou galés. Nos demais casos, havia substituição por açoites (art. 60), em quantidade a ser fixada pelo Juiz. O art. 33 do Código Criminal do Império abria a possibilidade de, em alguns casos, o Juiz fixar a pena arbitrariamente. Um destes casos era o do art. 60, que dizia o seguinte:
Artigo 60 – Se o réu for escravo, e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés, será condenado na de açoites, e, depois de os sofrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz o designar. O número de açoites será fixado na sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de cinquenta.

Mas a Circular nº 365 de 10 de junho de 1861 declarou que este número poderia chegar a 200, sem perigo de vida para o condenado. Ressalvou, porém, que, em todos os casos deve ser ouvido o juízo médico. Considerada a possibilidade de substituição da pena por açoites, os escravos podiam sofrê-los se praticassem 152 (72,03%) dos 211 crimes existentes no Código Criminal. Isto porque não podiam cometer os 44 crimes típicos de empregados públicos, já que a tais cargos não tinham acesso, visto serem considerados bens.
Apesar da Constituição do Império abolir a pena de açoites, se fez, então, um raciocínio jurídico para aplicá-la aos escravos. Tal raciocínio dizia que o direito constitucional de não ser açoitado não valia para os escravos pois eles eram considerados bens e, portanto, sujeitos ao direito de propriedade, que a Constituição de 1824 considerava absoluto. Esta argumentação constava do Aviso nº 388, de 21.12.1855, que dava como fundamento da escravidão (e dos açoites) o direito à propriedade previsto no art. 179, XXII da Constituição Imperial de 1824. Sendo o escravo um bem, não ficaria protegido pela proibição de açoites, tortura, marca de ferro quente e outras penas cruéis, proibição esta constante do art. 179, XIX, da referida Constituição.
Este aviso foi precedido de vários debates e o interessante é que, mesmo existindo a escravidão, já havia vozes que a criticavam. Era o caso do Juiz de Direito da 2ª Vara Crime da Capital do Pará, Francisco José Furtado, que, em 1853, já protestava contra o fato de um escravo ser considerado "coisa".