quinta-feira, 22 de abril de 2010

Direito e Islamismo



Valia, no Islã dos muçulmanos que dominaram a Península Ibérica, a lei revelada por Deus. O direito era uma ciência religiosa e era aplicado pelo cádi, um juiz nomeado pelo governante para aplicar a Lei Santa, a sharia. A Lei Santa regulava a maioria das relações sociais e pessoais, cobrindo todos os aspectos da vida muçulmana - pública e privada, comunitária e pessoal. Para os muçulmanos, a lei válida, exclusiva, era a que Deus estabelecera através de revelação, manifestada no Corão(1).
O cádi, pelo menos teoricamente, era um juiz independente do poder executivo, fundamentando suas decisões nos ensinamentos da religião. Estes ensinamentos serviam para interpretar o Corão, diante de situações conflituosas. Assim, um conflito novo podia ser solucionado mediante analogia com uma decisão anterior semelhante. Quando havia concordância geral entre os cultos, esta era tida como uma verdade certa e inquestionável. Se a comunidade como um todo chegasse a um acordo sobre um determinado assunto, a questão estaria encerrada para sempre. Mas, para interpretar o Corão e os suna, havia-se que ter um conhecimento adequado da língua árabe. Tudo isto formava um conjunto de princípios. Uma vez estabelecidos e geralmente aceitos estes princípios, era possível tentar relacionar o conjunto de leis e preceitos morais com eles. Esse processo de pensamento era conhecido como “figh”, e o produto dele acabou chamando-se “charia”. A charia não cobria todas as atividades humanas: era mais precisa em questões de casamento(2), divórcio e herança, não tão precisa em temas comerciais e bastante lacônica em temas penais. Praticamente nada dizia sobre a lei constitucional ou administrativa. E as funções do cádi refletiam tais limitações da charia: Na prática, porém, a maior parte da justiça criminal, sobretudo em relação a assuntos que afetavam o bem-estar do Estado, era ministrada pelo governante ou seus funcionários, não os cádis (3). Ainda assim, o cádi era uma figura central na vida da cidade muçulmana, situação assemelhada que detinha, na Espanha e Portugal pós-domínio árabe, o Alcaide, corruptela espanhola e portuguesa de Al-Cadi (4).
A foto acima da direita é da construção em Toledo/Espanha que foi mesquita, sinagoga e hoje é igreja (foto de 2007); a foto da esquerda é do Minarete da Grande Mesquita de Córdoba/Espanha, hoje torre de Igreja (foto de 2007).

Notas:
1 - LEWIS, Bernard. O Oriente Médio – do advento do cristianismo aos dias de hoje. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1996, pp. 71 a 241.
2 - O homem muçulmano podia ter até quarto esposas, desde que pudesse tratá-las com justiça e que cumprisse seu dever conjugal com todas. Além das quatro esposas, podia também ter tantas concubinas escravas quantas quisesse, sem que estas tivessem qualquer direito sobre ele. Mas poderia haver, no contrato de casamento, estipulação que proibisse ao homem ter outras mulheres ou concubinas.(HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo, Companhia das Letras, 2 ed., 1994, p. 135).
3 - HOURANI, ob. cit., pp. 128-129 e 172.
4 - Os alcaides-mores eram responsáveis pela guarda dos castelos do rei (Ordenações Filipinas, L 1, T 74); os Alcaides Pequenos faziam a guarda das cidades e vilas e exerciam a polícia, mas estavam a serviço dos Juízes (L 1, T 75); os Alcaides das Sacas cuidavam das fronteiras do reino, para coibir o contrabando e o descaminho e podiam fazer a acusação dos criminosos que prendessem (L 1, T 76).

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