sexta-feira, 16 de abril de 2010

Islã e Burocracia




No califado omíada só os árabes autênticos, os de pura descendência árabe de ambos os lados, podiam ser admitidos aos níveis mais altos de poder e privilégio. Os meio-árabes eram, geralmente filhos de pai árabe e mãe escrava e, abaixo dos meio-árabes estavam os não muçulmanos. No califado de Hisham (724-43) a língua árabe passou a ser a língua oficial da administração e prestação de contas (1). A máquina burocrática era grande e complexa. Mas, para o islamismo, se de um lado o Estado era uma instituição divinamente inspirada e necessária para a manutenção da ordem e realização da finalidade de Deus, por outro, era considerado como algo maléfico, que contaminava os que com ele se envolviam. O islã atribuía quatro funções ao governo: guerra, butim, prece das sextas-feiras e jihad. Talvez a própria instituição da burocracia tenha suas origens no Oriente Médio.
Butim era o produto das guerras. Assim, o que era obtido com a vitória nas guerras, sustentava o Estado.
A influência que a organização burocrática muçulmana deixou em Portugal pode ser medida por alguns nomes de cargos burocráticos que foram incorporados às leis portuguesas e nelas permaneceram. Assim, nas Ordenações Filipinas há, por exemplo, os ofícios de Alcaide, Almocreve, Almotacé, Alferes, alguns destes nomes tendo chegado até a atualidade brasileira, como é o caso de almoxarife. Havia também, nas Ordenações, o imposto das sizas, provavelmente originado do imposto muçulmano denominado jizya. Mas não só palavras árabes chegaram até nós: a agricultura também apresenta resquícios da invasão muçulmana em Portugal, como é o caso da cana-de-açúcar (4) e do café (5). Já os chamados algarismos arábicos na verdade vieram da índia.

O islamismo só admita a escravidão de infiéis capturados em guerras santas, pois súditos do Estado muçulmano, nascidos livres, fossem eles maometanos ou seguidores de uma ou outra das religiões permitidas, não podiam ser escravizados por dívida ou crimes outros que não a rebelião armada.

Entre os árabes, vemos em HOURANI (6) que Mesmo que o governante fosse injusto ou ímpio, aceitava-se em geral que devia ser obedecido, pois qualquer tipo de ordem era melhor que a anarquia.
As fotos acima são de Alhambra/Granada/Espanha e de uma construção em Toledo/Espanha que foi mesquita, sinagoga e hoje é igreja.

Notas:
1 – HOURANI (Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo, Companhia das Letras, 2 ed., 1994, p. 45) informa que a língua árabe passou a ser a língua da administração na década de 690.
2 - A seleção para os empregos públicos era feita por aprendizagem. No momento apropriado, o burocrata poderia apresentar o filho, o sobrinho ou outro protegido ao departamento, onde ele começava a trabalhar num cargo muito humilde, inicialmente sem remuneração, e onde gradualmente subia a escada de acesso. LEWIS, Bernard. O Oriente Médio – do advento do cristianismo aos dias de hoje. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1996, pp. 170-171.
3 - Segundo HOURANI (ob. cit., p. 55), esta imposto era pago pelos não-muçulmanos.
4 - Na Pérsia, a cana-de-açúcar era conhecida por dois nomes: “sheker” e “qand”. O açúcar era pouco conhecido no mundo greco-romano e usado somente para fins medicinais. Quando necessário, alimentos e bebidas eram adoçados com mel. – LEWIS, obra citada, p. 148.
5 - O café teria surgido na Etiópia e seu nome seria tirado da província de Kaffa, onde o cafeeiro cresce espontaneamente. A bebida foi usada inicialmente no Iêmem, com o nome de “qahwa”. Como o islã proíbe bebidas alcoólicas, o café e o chá tiveram largo uso. LEWIS, obra citada, pp. 150-151.
6 - HOURANI, obra citada, p. 156.

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